Baixos valores pagos pela previdência
e o aumento da expectativa de vida impõem desafio
ROBERT VALLS Buenos Aires - 7 FEB 2015
É uma
segunda-feira quente de verão em Buenos Aires. Julio entra em seu
táxi às 6 da manhã em busca dos primeiros clientes do dia. Tem
pela frente uma dura jornada em uma cidade deserta pelo êxodo das
férias.
Aos 68 anos ele
recebe uma aposentadoria do Estado, mas o sonhado desejo de deixar de
trabalhar continua distante. Pelo contrário, tem de trabalhar de
cinco a seis horas por dia para ter o suficiente para viver.
¨ Durante meus anos
de trabalho fiz poucas contribuições para a aposentadoria. Por isso
tenho de trabalhar, para me manter”, diz ao volante.
Seu caso não é
uma exceção na América Latina, pois, apesar dos significativos
avanços nos sistemas de aposentadoria durante a última década, a
maioria dos idosos tem de continuar trabalhando depois da idade média
de aposentar-se.
¨Depende muito de
quanto economizaram. Se antes as pessoas viviam até os 70 e se
aposentavam aos 58 anos, tinham 12 anos de aposentadoria. Hoje em dia
a esperança de vida é mais alta e, se vivem até os 80, precisam
trabalhar mais”, explica Michele Gragnolati, especialista do Banco
Mundial em desenvolvimento humano.
A realidade
latino-americana mostra que as aposentadorias são tão baixas que
bem poucos afortunados podem permitir-se não trabalhar depois dos 65
anos. Estas são as aposentadorias pagas em alguns países da região:
Argentina: mínimo
de 3.821 pesos argentinos (1200 reais)
México: mínimo de
aproximadamente 1.600 pesos mexicanos (300 reais)
Brasil: mínimo de
772 reais
Colômbia: mínimo
de 644.350 pesos colombianos (730 reais)
Peru: mínimo de 415
novos sóis (370 reais)
Apesar dos baixos
valores, a América Latina conseguiu oferecer cobertura a mais da
metade dos idosos – cerca de 30 milhões de pessoas. E fez isso por
meio de três estratégias diferentes: dando benefícios a todos os
idosos (na Bolívia e em Trinidad e Tobago); incluindo os excluídos
(na Argentina, Brasil, Chile, Panamá e Uruguai); e se concentrando
nos mais vulneráveis (na Colômbia, Costa Rica, Equador, El
Salvador, México, Paraguai e Peru).
O benefício de
trabalhar mais anos
Ao contrário do
que se poderia pensar, o prolongamento da vida laboral não é
necessariamente negativo; se chegam à velhice com boa saúde física
e mental, os idosos vão continuar sendo produtivos e, em alguns
casos, o trabalho pode resultar em uma fonte de gratificação nessa
nova etapa caracterizada pela abundância de tempo de lazer.
Paralelamente, o
trabalho dos idosos tem também impacto direto nos sistemas de
aposentadorias. Na média, quase a metade dos trabalhadores não
contribui para os sistemas de previdência social.
Nesse sentido, se
os cidadãos trabalhem, por um lado, continuam financiando o sistema
de saúde, por outro, usam a aposentadoria durante menos tempo, o que
ajuda no equilíbrio dos sistemas de previdência social.
A política ideal
seria ter uma cobertura que garantisse um benefício mínimo para
ajudar nas necessidades básicas e um sistema de emprego capaz de
continuar oferecendo oportunidades de trabalho dignas para os que
agora se aposentam”, opina Gragnolati.
Segundo
Gragnolati., um cenário razoável seria uma estrutura horária
decrescente, ou seja, uma saída gradual do mercado de trabalho,
reduzindo paulatinamente o número de horas de trabalho.
A lógica é
simples: os idosos contribuiriam mais e consumiriam menos
aposentadorias. Na atualidade, os trabalhadores na ativa contribuem
para financiar a renda dos aposentados, mas o prolongamento da vida
laboral faria com que parte de suas contribuições fossem destinadas
à própria aposentadoria.
Uma oportunidade
inigualável
Para 2050, a
população com mais de 65 anos triplicará. Essa mudança
demográfica causará impacto na produtividade dos países e,
paralelamente, será mais difícil satisfazer a crescente demanda de
serviços públicos, como os de saúde ou aposentadoria,
especialmente em sociedades de renda baixa e média, como as
latino-americanas.
A boa notícia é
que atualmente 65% da população latino-americana está em idade de
trabalhar, fato que representa uma vantagem demográfica por oferecer
as ferramentas para um aumento da produtividade. Esse porcentual,
afirmam os especialistas, continuará subindo nos próximos anos.
Essa situação de
suposta produtividade em alta oferece aos países da região uma
oportunidade inigualável para economizar, investir no capital humano
e físico e garantir a acumulação de capital.
Esses esforços,
avaliam os especialistas, serão vitais para que no futuro, quando
diminua a proporção de pessoas em idade de trabalhar e aumente o
porcentual de idosos, possam ser oferecidos serviços públicos de
qualidade.
* Robert Valls é produtor online do
Banco Mundial